Berço do "La Boba", gandula e River desde cedo: as origens de D'Alessandro na Argentin
- entrelinhascolorad
- May 7, 2019
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D'Alessandro inicia a fala sobre o retorno a suas origens no futebol, mas as palavras logo ficam em segundo plano. Dão lugar às lágrimas. A emoção do argentino ganha coro atrás das câmeras, ao fundo da sala de imprensa do Estádio Diego Armando Maradona, de onde os pais, Eduardo e Estela, acompanham a entrevista coletiva do filho com olhares marejados e orgulhosos.
De volta a Buenos Aires natal, o camisa 10 do Inter vive dias de nostalgia, com um ápice a ser alcançado nesta terça-feira, às 21h30, no Monumental de Nuñez, pela Libertadores. No estádio em que nasceu para o futebol, o meia revê o River Plate, o time em que foi formado como atleta profissional.
O reencontro que tanto o comove leva o GloboEsporte.com a revisitar o passado e contar as origens de D'Ale, com depoimentos de quem o conhece desde pequeno. A história começa ali mesmo, nas ruas do entorno do estádio do Argentinos Juniors, onde o Inter treinou nesta segunda-feira, com amigos e familiares do argentino como plateia nas arquibancadas.
"Feliz em voltar e jogar na Argentina. Minha mãe, pai, amigos, irmão. É uma das poucas coletivas que dou com minha família. É muito diferente voltar à minha casa. É um momento diferente na minha carreira, que está terminando" (D'Ale)
Foi ali, a poucos metros do Estádio Diego Armando Maradona, que o meia cresceu e viveu toda a infância em La Paternal, na região central de Buenos Aires. Basta percorrer alguns passos pelas ruas arborizadas do bairro para entender que se trata de um reduto que respira futebol.

A figura inconfundível de Maradona estampa as paredes das casas e se multiplica à medida que o caminho afunila até o estádio, renomeado em homenagem ao filho mais ilustre do Argentinos Juniors. Quando pequeno, D'Ale não via desenhos do "Pibe de Oro" espalhados pelo bairro, e as arquibancadas eram bem mais acanhadas. Mas o gringo estava sempre cercado do futebol.
A origem do "La Boba"
Filho mais velho de Eduardo e Estela, Andrés iniciou cedo no "baby fútbol", modalidade semelhante ao futsal muito comum aos garotos na Argentina. Já aos quatro anos, ensaiava dribles e chutes no Racing de Villa de Parque. O talento inato logo despertou a atenção de Aníbal Tory Gomez, primeiro treinador e que nutre amizade de décadas com o argentino.
Tory levou o garoto para treinar no Jorge Newbery, clube do mesmo bairro. Ali, D'Alessandro desenvolveu não apenas as suas habilidades, mas o drible que é até hoje a sua marca registrada: o "La Boba". O menino treinava sempre a condução de bola com as duas pernas entre cones para lapidar a jogada. À época, se tratava de um truque que deixava os adversários desorientados – como ainda o faz. O apelido veio apenas com Eduardo Coudet, seu colega de River Plate, anos mais tarde.

D'Ale costuma visitar Tory sempre que retorna a Buenos Aires. Nesta segunda, por exemplo, o treinador assistiu de perto ao treino do Inter na capital argentina. Mas o orgulho do treinador fica evidente nas paredes da sede do Jorge Newbery, tomadas de camisetas e autógrafos, todos presentes de D'Alessandro ao seu mentor.
Conheci ele no Racing Park. Soube que tinha quatro, cinco anos. Me chamou a atenção. Era pequenino, mas a habilidade que já tinha com a bola chamou atenção. Aqui, aos seis, sete anos, começou a fazer o "La Boba". Foi só depois que colocaram o nome próprio, mas naquele momento, era um drible que deixava qualquer um desorientado. Ele sempre foi distinto. Diferente dos outros – conta Tory ao GloboEsporte.com.

"Identidade" do River Plate
Do Jorge Newbery, o garoto ainda atuou por um ano no Estrella Maldonado, outro clube de baby fútbol, em que Marcelo Gallardo também treinou. Quem viu o meia ensaiar seus primeiros passos no futebol garante: D'Alessandro sempre foi D'Alessandro.
Pequenino, D'Ale tinha drible fácil para se livrar da marcação dos adversários e visão e inteligência de jogo acima da média para a idade. O argentino também se destacava pelo temperamento forte e a liderança. Ainda garoto, já reclamava com os árbitros e tentava coibir as botinadas que recebia dos demais garotos.
O caráter dele sempre foi assim. Sempre defendeu os companheiros. Sempre foi capitão. Era quem falava com os juízes desde pequeno. Não gostava quando batiam muito. Ele recebia muitas patadas. Esse caráter o fez ser diferente dos demais – conta Tory.
Todas essas virtudes fizeram brilhar os olhos de Gabriel Rodríguez. Após observá-lo em um torneio de baby fútbol, o coordenador da base do River Plate sequer precisou pensar muito para compreender que via diante de si um jogador com a "identidade" do clube. Foi o bastante para levar D'Ale para a formação do clube aos sete anos.
Eu o vi no baby fútbol e não tive dúvida. Ele era muito habilidoso, com muita visão de jogo, muita técnica. E realmente, com uma personalidade de um líder. Uma coisa muito difícil de encontrar em uma criança tão nova. Tinha voz de comando com os companheiros. Era um bom garoto, sempre sorrindo. vivia pensando na bola todos os dias. Se via desde cedo... Se nascesse outra vez, se fizesse outro jogador outro D'Alessandro, ele teria a identidade do River – recorda Rodríguez.
De gandula a amigo do ídolo
A rotina na base do River fazia D'Ale respirar o futebol com ainda mais intensidade. O argentino tinha apenas as segundas-feiras de descanso. No resto da semana, dividia os dias entre o "baby fútbol" e o futebol de campo, com jogos pelas duas modalidades no sábado e no domingo. E ainda sobrava tempo para fazer as vezes de gandulas nas partidas da equipe principal.
Em um desses jogos, D'Ale registrou uma foto que hoje ganha contornos históricos. O gringo, então com 14 anos posou ao lado de Enzo Francescoli, uruguaio que é um dos maiores ídolos da história do River Plate e que foi campeão da América naquela mesma temporada.

Anos mais tarde, o ídolo virou amigo. Francescoli visitou D'Ale na concentração do Inter nesta segunda-feira. O uruguaio, aliás, foi responsável por levar o argentino de volta ao River Plate em 2016. Ambos mataram as saudades e falaram sobre a foto emblemática.
Entregador de pizzas
De La Paternal até o campo de treinamentos do River Plate, D'Ale costumava pegar ônibus para fazer uma viagem de 40 minutos. Entre treinos e partidas, o gringo também fazia um "bico" de entregador para uma pizzaria das cercanias de sua casa. Era uma forma de auxiliar o pai, taxista, e a mãe, administradora, nas despesas. Mas, claro, sem desvirtuar o foco do futebol.

Naqueles tempos, tudo era muito diferente. Se podia jogar futebol na rua, na volta de casa. Meu irmão joga futebol desde muito pequeno. Com a família, viajamos a muitas províncias do país para vê-lo jogar com o River Plate. Também em muitos clubes de baby fútbol. O futebol está por perto desde que eu tenho memória – afirma Marcelo D'Alessandro, irmão mais novo do craque.
Reencontro com o River
Do River Plate para o mundo, D'Ale rodou por Alemanha, Inglaterra e Espanha até chegar ao Inter para escrever uma idolatria forjada por taças e transformar o Beira-Rio em sua casa por mais de uma década. Nesta terça-feira, o argentino enfrentará o clube que o revelou pela segunda vez no Monumental de Nuñez.
A primeira delas, aliás, desperta boas recordações. Em 2008, o argentino comandou a reação do San Lorenzo para arrancar um empate em 2 a 2 do River e avançar na Copa Libertadores. Nesta terça-feira, o gringo deve ser reserva, por estar pendurado. Mas se prepara para viver mais uma noite de emoções.
Obviamente tem um sabor especial, um lado emocional de estar amanhã no Monumental. Jogar no Beira Rio já foi especial, mas aqui é diferente, é minha terra, onde joguei meu primeiro jogo como profissional com o time que me revelou – conta D'Ale.
Fotos: Eduardo Deconto
Fonte Globoesporte.com
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