Fernandão Eterno: cinco anos de saudades. Relembre sua trajetória!
- entrelinhascolorad
- Jun 7, 2019
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Grandes títulos eternizam jogadores na história de um clube, não resta dúvida. Mas, por si só, eles não são o bastante para consagrar ídolos. Fernandão comprova isto. Nosso eterno capitão não se perpetuou por levantar o troféu no Japão, ou por bater Ceni quando este deixou a bola escapar de sua mão. Pelo contrário, se ele viveu todos estes momentos, foi porque encarou cada segundo com o manto vermelho com a seriedade que só os grandes têm. Sempre se doou ao máximo, e quando nele chegava, percebia que podia dar mais um pouquinho. Era um gigante, como o Beira-Rio.
Hoje, completam-se cinco anos que Fernandão partiu, deixando órfãos milhões que acompanharam cada passo de sua gigantesca trajetória com a camisa colorada. Nada mais justo do que relembrarmos esta caminhada, de 77 gols e inúmeras taças ao longo de 190 jogos, tomando como referência nove grandes momentos do nosso eterno camisa 9.
1. O primeiro gol

Depois de desembarcar em terras gaúchas, Fernandão precisou esperar quase um mês para fazer sua estreia com a camisa vermelha. O tão esperado primeiro capítulo aconteceu no dia 10 de julho de 2004, contra o maior rival colorado. Camisa 18, Fernando Lúcio começou a partida no banco de reservas, mas logo no intervalo foi chamado pelo técnico Joel Santana. Iniciada a segunda etapa, o polivalente jogador substituiu o lesionado zagueiro Wilson, e se somou ao ataque, ao lado de Rafael Sobis e Danilo.
Pouco mais de sete minutos depois de pisar no gramado verde do Gigante, Fernandão sofreu falta na ponta direita da intermediária de ataque do Inter. Infração que Alex cobrou na cabeça de Vinícius. O camisa 6, de costas, desviou com precisão suficiente para superar Tavarelli, que até se esticou, mas não conseguiu fazer a defesa. Assim, o Clube do Povo abria o placar, em gol que contou com participação direta do estreante daquela tarde. Mais do que isso, o tento foi o de número 999 na história dos Gre-Nais. Como não poderia deixar de ser, a torcida já se deixava entusiasmar com a nova contratação. Fernando, entretanto, ainda não estava satisfeito.
Aos 33 minutos do segundo tempo, a zaga adversária afastou parcialmente cruzamento vindo da ponta esquerda. A sobra ficou com Élder Granja, que da direita suspendeu na altura da marca do pênalti, onde estava Fernandão. Esbanjando presença de área, o camisa 18 subiu mais alto do que os zagueiros e cabeceou com tanta força que câmera alguma foi capaz de acompanhar a chegada da bola à goleira adversária. O que ficou registrado, em contrapartida, foi a explosão dos mais de 23 mil colorados e coloradas presentes no Beira-Rio, que vibraram muito com o gol de número 1 mil do maior clássico do Brasil. Um tento histórico, a princípio ignorado por seu ator.
No momento em que tocou o chão novamente e percebeu que marcara o gol, o abençoado artilheiro se emocionou, e, tapando o rosto, ajoelhou-se no gramado. Certamente, a lágrima que teimava em escorrer não pôde ser contida quando ouviu Sóbis, eufórico, anunciar a importância do momento que protagonizara: “Tu marcou o gol mil do Gre-Nal!”.
A imagem da comemoração do gol ficou eternizada, assim como o feito, devidamente registrado em placa posteriormente fixada no vestiário do Beira-Rio. Terminada a partida, o atacante deu entrevista que comprova o porquê de ter se tornado um dos maiores ídolos da história colorada. Deixando de lado qualquer arrogância ou exibicionismo, Fernando foi sincero - característica que marcou toda a sua trajetória pelo Beira-Rio -, prometendo não novos golaços e títulos, e sim adotar o comportamento que sempre o pautou: “Prometo bastante garra e empenho dentro de campo. Sempre!”.
2. A primeira taça e a convocação

Fernandão assumiu a braçadeira de capitão do time colorado ainda em 2004. É inegável que o posto caía bem ao então camisa 9, estando à altura da pessoa, atleta e profissional que sempre foi. Para além de simbolizar sua liderança, a faixa também indicava que, em caso de título, seria o atacante o responsável por erguer o festejado troféu. E não foram poucos os que levantou.
A primeira taça chegou em abril de 2005, menos de um ano depois de sua chegada ao Inter. Após um Gauchão de alto nível, em que acabaria eleito para a seleção do campeonato, Fernandão chegou para a final prestigiado. Colorados e coloradas de todos os cantos apostavam que seria do camisa 9 o gol decisivo. De fato, quem brilhou na decisão foi um centroavante.

Souza entrou na partida no segundo tempo, substituindo Wellington. Com a troca, Fernandão mudou de posição, saindo do comando de ataque para a ponta-de-lança. Do meio de campo, mais recuado, seguiu direto para o topo do pódio, graças aos dois gols marcados pelo próprio Souza, ambos nos quinze minutos finais de prorrogação. Com a vitória, o Inter se sagrou tetracampeão gaúcho. O título foi o 37º estadual na história vermelha, primeiro levantado por nosso eterno capitão.
Para completar a maravilhosa semana vivida por Fernandão, no dia seguinte ao título gaúcho o atacante foi convocado para a Seleção Brasileira para a disputa de amistoso contra Guatemala. Apesar da boa atuação, o ídolo colorado não voltou a ser lembrado pelo comandante Carlos Alberto Parreira. Azar do ex-técnico do Inter na temporada de 2001, que sucumbiu diante da França na Copa de 2006, diferente de Fernando, que conquistaria o planeta na mesma temporada.
3. O Brasileirão de 2005

Não bastasse a conquista do tetra estadual, Fernandão também liderou o Inter em caminhada merecedora do quarto título brasileiro da história do Clube. Seja formando dupla de ataque poderosa ao lado de Sobis, ou jogando mais recuado, o capitão brilhou ao longo de toda a campanha. Algumas de suas exibições, como quando marcou dois gols na vitória por 4 a 1 sobre o Cruzeiro, ou no show de assistências que ofereceu ao Morumbi no triunfo gaúcho por 3 a 1 sobre os donos da casa, ainda alimentam o imaginário do povo colorado.
Para além de um liderança do elenco, ao final de 2005 Fernandão já dava mostras do coloradismo que surgia em seu coração. Para além da indignação com os escândalos de arbitragem, antes da última rodada do campeonato revelou, como se fora um torcedor, a expectativa que o tomava: “Esta equipe foi muito brava. Quando todo mundo achava que estávamos batidos, íamos a campo e vencíamos os jogos (...) Temos que colocar o coração na ponta da chuteira, queremos muito o título".
Infelizmente, apesar dos inúmeros fatos que comprovavam a adulteração daquele Brasileirão, o resultado final não foi revertido, assim impedindo que o povo colorado e seu capitão comemorassem juntos a conquista de um título nacional. Fernandão ainda teve o alto nível de suas exibições recompensado ao ser premiado o segundo melhor ponta-de-lança do campeonato. Desta forma, chegava ao fim a temporada de 2005, e, com ele, era inaugurado um novo e especial capítulo na história do Clube do Povo do Rio Grande do Sul.
4. Libertando a América

O Rio Grande do Sul parou na noite de 16 de agosto de 2006. Todos os caminhos apontavam para o Beira-Rio, que pulsou ao ritmo de 56 mil vozes. Por algumas horas, o Gigante se tornou um município à parte, independente. Território hostil a qualquer um que não vestisse vermelho, decidido a conquistar todo um continente.
Chegar à grande decisão da América exigiu muito do grupo Colorado. Referência para todos os vermelhos, Fernandão foi fundamental ao longo da campanha. O atacante desempenhou o fino futebol e foi o artilheiro do time, como cinco gols. Seu momento de maior brilho, no entanto, ainda estava por vir.Na decisão, Fernandão teve participação destacada na primeira partida, especialmente no lance do segundo gol, quando, após receber cruzamento perfeito de Alex, escorou com a cabeça para Tinga, que mandou no travessão bola que Rafael Sobis enviou para as redes no rebote. O camisa 9 ainda construiu grande oportunidade que Sobis, grande nome do jogo, por pouco não transformou no terceiro gol colorado.
Na finalíssima, coube a Fernandão a honra de abrir o placar. Oportunista, aproveitou a inteligência de Fabiano Eller para, com um carrinho avassalador, mandar a bola para a cidadela tricolor. Sortudos os que estiveram na altura do Portão 2 do Gigante naquela noite, e puderam ver o brilho nos olhos do capitão colorado enquanto este regia, entre braços abertos e beijos aos céus, a explosão de uma massa enlouquecida. Na expressão do artilheiro, a certeza de que o Inter estava mais próximo do que nunca do título sul-americano.

O segundo gol também passou por Fernando. Depois de ter cabeceio milagrosamente defendido por Ceni, o capitão colorado pegou o rebote e emendou cruzamento preciso para Tinga. O volante se agachou como pôde para devolver o Inter à frente do marcador. O tento foi o último dos gaúchos na partida, que terminou empatada em 2 a 2.
Com o resultado, o Clube do Povo enfim libertou, pela primeira vez em sua quase centenária história, a América. Capitão, Fernandão exerceu liderança capaz de invejar Simón Bolívar e José de San Martín. Assim, ao erguer a cobiçada taça, conseguiu aguentar, junto dela, o peso dos braços de milhões que junto dele pintavam o continente inteiro de vermelho.
5. A conquista do mundo

Depois de passar cerca de dois anos atuando ou como centroavante, ou como ponta-de-lança, período no qual conquistou o coração da torcida colorada, Fernandão surpreendeu a todos mudando de posição por 90 minutos, em dezembro de 2006. A troca se tornou ainda mais radical por conta do adversário daquela partida, o temido Barcelona de Ronaldinho.
Na final do Mundial, o camisa 9 exerceu função mais recuada. Não devem ter sido poucos os que apontaram o dedo para Abel Braga, imaginando que a mudança seria responsabilidade sua. Mal sabiam estes que, na verdade, fora o próprio capitão quem solicitara atuar nesta nova posição. “Eu abri mão de querer aparecer naquela final. Fui jogar no meio-campo e tive de marcar individualmente o Motta, um volante que dava um ritmo de jogo muito forte para o Barcelona. Eu sabia que se fizesse isso, nós tínhamos uma chance de marcar um gol no contra-ataque.” - declarou, narrando com rara precisão o que foi a decisão.
O nervosismo compartilhado por toda a torcida em razão das modificações no time logo deu espaço à confiança nos jogadores. Desde o primeiro minuto, a atuação foi irretocável. O temido Barcelona, que na semifinal goleara os mexicanos do América, não conseguia criar oportunidades. Ainda melhor, o Inter conseguia levar perigo em escapadas pontuais. O Clube do Povo sabia que era capaz de conquistar o mundo. Fernandão fez questão de deixar isto claro em seu lendário discurso no vestiário, descoberto meses depois com a divulgação dos bastidores do Mundial, e que até hoje emociona quem assiste.
É bem verdade que Fernandão não estava em campo no momento em que Gabiru marcou o gol do título. Extenuado, sofrendo com cãibras após uma magistral atuação, deixou o gramado para a entrada do artilheiro da partida. Do banco de reservas, incomodou a arbitragem o quanto pôde, pedindo pelo apito final, que foi devidamente festejado, independente das dores sentidas. Encerrando o inesquecível dia 17, coube ao capitão erguer a taça mais importante da história colorada.
6. A liderança

Assumir a braçadeira de capitão de uma equipe tricampeã brasileira, decidida a retomar o caminho das grandes conquistas após um longo período de jejum, não é tarefa simples. Empunhar uma faixa que fora usada, entre outros, por Don Elías Figueroa, exigia habilidades maiores do que as meramente futebolísticas. Ainda bem que Fernandão não era apenas um craque.
Líder nato, profissional dedicado e bem-quisto por todos do clube, o atacante rapidamente se apoderou da braçadeira. Em questão de meses, abandonou a condição de reserva e a camisa 18 para vestir a 9, inclusive nos momentos em que não atuava como centroavante. Até quando não entrava em campo, lesionado ou suspenso, Fernandão fazia a diferença. Seus discursos pré-jogo, a presença na concentração, os inúmeros ensinamentos passados aos jovens subidos da base, ou mesmo o ânimo que dava à torcida no momento que era avistado nos camarotes do estádio atestavam sua importância ímpar, como comprova a premiação da Recopa em 2007.
Lesionado, nosso capitão não pôde ir a campo na partida de volta contra o Pachuca. Das arquibancadas, assistiu ao show de Pato e vibrou junto de outras 51 mil pessoas com cada um dos quatro gols colorados na noite. Encerrada a partida, subiu no posto mais alto do pódio junto de Clemer e Iarley, outras lideranças daquele grupo. Juntos, os três levantaram o troféu, consagrando a Tríplice Coroa vermelha.
7. A última taça

Fernandão começou 2008 levantando mais uma taça internacional. Em janeiro, após superar Stuttgart e Internazionale de Milão, o Inter conquistou a Dubai Cup. Na final, disputada contra os italianos, o capitão marcou golaço que abriu o placar para a equipe gaúcha, em precisa finalização de fora da área que bateu o goleiro Júlio César. Quinto título de sua passagem pelo Clube do Povo, o torneio de início de temporada logo foi sucedido por mais um troféu. Este, o seu último.
O Inter sobrou no Gauchão de 2008. Em 18 partidas, disputadas entre fase classificatória, quartas e semifinais, o Clube do Povo conquistou catorze vitórias e dois empates, além das duas derrotas sofridas para o Juventude. Curiosamente, o time serrano foi o adversário colorado na grande final.O Juventude abriu a decisão em vantagem, após vitória pelo placar mínimo em Caxias. O gol do time da casa saiu em veloz contra-ataque iniciado após bola perdida por Fernandão. O terceiro revés seguido para os serranos deu contornos dramáticos para a semana que serviu de intervalo os dois jogos, depositando muita tensão sobre o calejado elenco colorado, que respondeu à pressão com a maturidade de um grupo multicampeão.
Comandado por Fernandão, o Clube do Povo foi um verdadeiro Rolo Compressor. Aos 30 minutos de jogo, já exibia um confortável 3 a 0 no placar, que até o fim da partida se transformaria em uma histórica goleada por 8 a 1. O capitão colorado marcou três gols, e foi o grande nome da partida. Nenhum dos quase 43 mil presentes no Beira-Rio naquela tarde sabia, mas o terceiro tento do ídolo foi o último que anotou com a camisa do Inter.
Transcorridos pouco mais de quatro minutos da segunda etapa, Alex sofreu falta à direita da área de caxiense. Lateral-direito colorado, Bustos fez a cobrança com precisão, na altura da pequena área. Demonstrando a presença de área que sempre lhe foi característica, Fernandão subiu soberano e desviou para o gol. Michel Alves bem que tentou, mas nada pôde fazer. Era o quinto gol do Inter na partida, um retrato fiel do goleador imperdoável que sempre foi Fernando Lúcio da Costa.
8. Do lado de fora do gramado

Fernandão se despediu do Inter no dia 14 de junho de 2008. Prestes a viajar para o Catar, onde defenderia o Al-Gharafa, o então ex-jogador colorado, emocionado, deu declaração profética: “"Um dia vou voltar pro Inter. Seja como jogador, dirigente ou torcedor".
O retorno, de fato, aconteceu. No dia 19 de julho de 2011, já aposentado, o eterno capitão colorado foi anunciado como novo diretor executivo de futebol do Inter. Sempre movido por novos desafios, Fernandão se dedicou de corpo e alma a esta missão. Vivendo intensamente a rotina de dirigente, sempre buscou a excelência nos mínimos detalhes, agindo em prol do melhor para o Clube. No cargo, conquistou um Campeonato Gaúcho
Um ano depois, o Capitão da América e do Mundo foi anunciado como técnico vermelho. Comandando o elenco em uma temporada delicada, na qual o Inter atuou diante de um Beira-Rio desfalcado pelas obras de modernização do estádio, Fernandão alcançou 9 vitórias antes de deixar o cargo em novembro de 2012.
9. O torcedor

Em quatro anos, o cabeludo Fernando Lúcio, que chegou em Porto Alegre ainda anônimo, tornou seu nome o mais famoso do Rio Grande. Virou uma verdadeira santidade, admirado do Chuí ao Mampituba. De Fernando, virou Fernandão. De camisa 9, capitão. Eterno. Mas a alcunha mais importante que recebeu em todo este tempo foi aquela que com ele compartilhamos: Colorado.
Da indignação com a perda do Brasileirão em 2005 ao histórico ‘Vamo, Vamo Inter’ na chegada do Japão, do protagonismo exercido, mesmo fora de campo, na decisão da Recopa ao empenho para dar fim à toca caxiense em 2008; do choro com o Gol 1000 às lágrimas no momento da despedida. Dia após dia, a cada passo que dava no Beira-Rio, Fernandão se tornava ainda mais torcedor.
Um verdadeiro colorado, sempre disposto a sujar sua camisa de barro e sangue para tornar o vermelho mais vibrante, forte. Fernandão ainda teve o prazer de, em 2014, reinaugurar sua segunda casa, tendo sido o primeiro a saudar a multidão que lotava as remodeladas arquibancadas do Gigante para o Espetáculo ‘Os Protagonistas’.
Fernandão… para sempre sentiremos tua falta, nunca te esqueceremos. Daqui, seguiremos te venerando. E não se preocupe, pois sabemos que, de onde estiver, você também estará torcendo por nós. Obrigado por tudo, capitão!
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