O superclássico no Gigante: relembre confrontos entre Brasil e Argentina no Beira-Rio
- entrelinhascolorad
- Jul 2, 2019
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Para muitos, o maior clássico do futebol. Passível de ser definido, sem exagero algum, como o suprassumo do desporto sul-americano. Rivalidade gigante, que compara, e até questiona, estrelas como Ronaldo e Maradona, Batistuta e Romário, Pelé e Messi, Kempes e Falcão, Di Stéfano e Garrincha, ou ainda Passarella e Domingos da Guia. A união, ou melhor, colisão perfeita, da malemolência do samba com o drama do tango.
Quando Brasil e Argentina se enfrentam, os poetas abandonam os papeis, os músicos desistem dos instrumentos, e os pintores abrem mão dos pinceis. A arte, em sua totalidade, acontece dentro do relvado, criada por travas de alumínio e esferas encouraçadas. Feliz o Beira-Rio, que já sediou, por mais de uma ocasião, tão imponente duelo. Igualmente agraciados os escretes canarinho e hermano por terem desfrutado do privilégio de atuar no tapete verde do Gigante.

Nesta terça-feira, os comandados de Lionel Scaloni e Tite se encontram pelas semifinais da Copa América, em Belo Horizonte. Se vencer, a canarinho retornará, doze anos depois, a uma decisão do torneio. Os hermanos, por sua vez, vão a campo em busca da terceira final seguida. Embate promissor, que serve de circunstância ideal para lembrarmos dos cruzamentos ocorridos entre estes selecionados na casa do Clube do Povo.

Em preparação para a Copa do Mundo do México, a Seleção Brasileira, à época treinada pelo riograndense João Saldanha, veio a Porto Alegre enfrentar o escrete argentino. O confronto, marcado para a noite de 4 de março de 1970, aconteceria três meses antes da estreia da canarinho no mundial. Desta forma, como não poderia deixar de ser, a amarelinha desembarcou na capital dos gaúchos com seus principais nomes, ou ‘feras’, como o comandante gostava de afirmar.
Saldanha assumiu o selecionado em fevereiro de 1969. Uma vez anunciado treinador, declarou que, durante seu comando, sumiriam os canarinhos, dando lugar a “22 feras em campo”. De fato, o ínicio do alegretense na casamata amarela empolgou, estando à altura do que fora prometido.Sob sua chefia, o Brasil venceu as seis partidas das Eliminatórias para a Copa, carimbando passaporte para o México com 100% de aproveitamento, 23 gols marcados, e somente dois sofridos. Saldanha parecia ser o regente exato para o escrete de grandes nomes como Pelé, Tostão, Jairzinho, Gérson e Carlos Alberto Torres. Até que o novo ano chegou
.O clássico no Beira-Rio seria o primeiro confronto das feras de Saldanha nos anos 70. Na véspera da partida, brasileiros e argentinos visitaram o Gigante e se encantaram com a beleza da casa colorada, muito elogiada nas entrevistas dos hermanos, que também destacaram a perfeição do gramado colorado.

Grandes autoridades, incluindo o presidente do Brasil na época, Emílio Garrastazu Médici, haviam confirmado presença na partida. Ao lado deles, uma autêntica multidão era esperada. Em comum, todos compartilhavam da mesma certeza: a noite seria de festa para os donos da casa.
Iniciada a partida, a equipe brasileira acusou os meses afastada de campo, exibindo desentrosamento refletido na ausência de boas chances criadas. A Argentina, por outro lado, parecia confortável. Tentando recuperar o prestígio de uma nação que ainda lamentava a não classificação para o mundial, a seleção hermana não hesitou em adotar postura defensiva, apostando nos contra-ataques como melhor caminho para bater os comandados de Saldanha. Assim, a sonolenta primeira etapa foi encerrada com o marcador inalterado.
O segundo tempo, verdade seja dita, também demorou a engrenar. Mas, quando as chances apareceram, foram seguidas - e letais. Aos 18 minutos, em um prelúdio do que estava por vir, Oscar ‘Pinino’ Más surgiu livre na meia lua da grande área e mandou bonito chute no travessão do goleiro Ado. No rebote, com a meta aberta a sua frente, Conigliaro, atrapalhado por Piazza, desperdiçou.

Quatro minutos depois, Más não perdoou. Lançado pela esquerda, ganhou de Baldocchi, ajeitou para a canhota e fuzilou no canto. A Argentina abria o placar, para desespero das quase 70 mil pessoas que lotavam as arquibancadas do Beira-Rio.
O cenário ficou ainda pior aos 27, quando Fontana fez falta em Fischer. Madurga partiu para a cobrança, com força, e obrigou a Ado a praticar o milagre. No rebote, contudo, não existiu pé brasileiro capaz de travar a chuteira de Conigliaro. No escore, 2 a 0; nas arquibancadas, silêncio.
Correndo atrás do prejuízo, a seleção bem que tentou descontar, mas a desorganização do time dentro de campo, somada ao deficiente preparo físico, normal para um cenário de início de temporada, impediram que expectativas maiores fossem criadas. Encerrada a partida, foi oficializada a primeira - e única - derrota do Brasil atuando no Gigante.
O revés, ressalte-se, serviu de justificativa à demissão de Saldanha, ferrenho opositor do regime militar e crítico de Médici. Nem mesmo a vitória obtida sobre os hermanos quatro dias depois, no Rio, foi o suficiente para manter o treinador no cargo. Em 17 de março, João foi dispensado, e, em seu lugar, assumiu Zagallo, o técnico do tri.
Ficha técnica partida:
Brasil 0x2 Argentina
Data: 4 de março de 1970
Amistoso
Público: 69.345 pagantes
Árbitro: Armando Marques (Brasil)
Gols: Oscar Más, aos 22min do 2°T, e Marcos Conigliaro, aos 27min do 2°T.
Brasil: Ado, Carlos Alberto Torres, Baldocchi, Fontana e Marco Antônio; Wilson Piazza (Zé Carlos), Gérson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Pelé e Edu. Técnico: João Saldanha.
Argentina: Agustin Cejas; Rubén Diaz, Roberto Perfumo, Roberto Rogel e Oscar Malbernat; José Omar Pastoriza, Miguel Angel Brindisi e Norberto Madurga; Marcos Conigliaro, Rodolfo Fischer e Oscar Más. Técnico: Juan José Pizzuti.
O show de Rivaldo:

Brasil e Argentina promoveram grandes embates no fim dos anos 90. Primeiro, às vésperas da Copa da França, as duas seleções se enfrentaram no Maracanã, com os visitantes saindo vencedores pelo placar de 1 a 0. A vingança brasileira veio na temporada seguinte, com o triunfo por 2 a 1 nas quartas de final da Copa América do Paraguai.
Fechando o último ano da década de 90, inspirados na Copa Roca, foram marcados dois amistosos para o mês de setembro, mas que, diferente de sua motivadora, nada valiam, se não a inigualável satisfação em triunfar sobre um rival. O primeiro confronto, realizado no Monumental de Nuñez, foi encerrado com vitória hermana por 2 a 0, gols de Verón e Crespo.
A partida de volta também foi disputada diante de um templo vermelho e branco. Cerca de 70 mil apaixonados pelo futebol canarinho abarrotaram as arquibancadas do Gigante da Beira-Rio naquele dia 7 de setembro, feriado comemorativo à Independência do Brasil. O Estádio, então com seus 30 anos, ainda contava com a histórica Coreia, que esteve, como de costume, lotada de gente e alegria.
Tão logo soou o apito inicial, o público percebeu que a derrota de três dias atrás estava superada. Passados menos de cinco minutos de bola rolando, o time de Luxemburgo já se mostrava tão vibrante quanto nos 90 disputados no campo do River. Tamanha disposição permitiu à Seleção igualar os argentinos na vontade, sua principal virtude. Equivalentes na transpiração, coube à amarelinha se impôr na técnica, comprovando que não existe país mais abençoado para revelar grandes craques do que o nosso.
Comandada pelo trio Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo, a seleção empilhou chances desde o primeiro momento. Logo aos quatro, o Fenômeno recebeu do Gaúcho e balançou as redes. A arbitragem, entretanto, anotou correto impedimento. Oito minutos depois, foi Rivaldo quem teve gol anulado, desta vez de maneira incorreta, quando apenas completava rebote de defesa do goleiro Bonano.
Apesar da interferência da arbitragem, a Seleção não arrefeceu o ânimo e seguiu atacando. A pressão brasileira, inclusive, só aumentava, com Rivaldo crescendo no jogo a cada novo minuto, sempre assessorado por seus dois companheiros de ataque. O camisa 10, que seria eleito o Melhor do Mundo ao final da temporada, estava imparável, com seus dribles desconcertantes e passes milimétricos extremamente afiados. Ainda assim, o injusto 0 a 0 persistia no escore, fazendo crer que a igualdade duraria até o intervalo. Teimoso, o placar apenas foi alterado exatamente aos 40 minutos, coroando toda a insistência canarinho.
Transcorridos 40 minutos e 37 segundos de partida, Vampeta recebeu bola no meio de campo e abriu com Zé Roberto, que devolveu para o camisa 8. Dele, ela seguiu para Ronaldinho Gaúcho. O jovem entregou para o volante, que, já na entrada da área, deu assistência perfeita para Rivaldo. O craque da tarde dominou com a sola, tirando do goleiro, e, no toque seguinte, inaugurou o placar. Brasil 1 a 0, e festa no Beira-Rio.
Ainda se recuperando da euforia pelo primeiro gol, o Gigante viu Ronaldinho fazer passe magistral com o calcanhar para Roberto Carlos. O lateral-esquerdo chegou à linha de fundo e cruzou na medida para Rivaldo, que, fazendo as vezes de centroavante, finalizou de cabeça, causando nova explosão na Padre Cacique. Não esperavam os brasileiros, no entanto, que Ayala descontasse ao 45 minutos, também em cabeceio, completando cruzamento de ‘La Brujita’ Verón.
A partida se manteve intensa após ser reiniciada. Grande nome da tarde, Rivaldo seguiu capitaneando o trio de ataque do Brasil, controlando o jogo e enlouquecendo a respeitada defesa hermana, que contava com ídolos como Samuel, Sorín e Zanetti. Neste ritmo, o camisa 10 aproveitou sobra de chute de Ronaldo, aos 25, para marcar seu terceiro gol no confronto. Com o tento, o futuro Bola de Ouro se tornou o primeiro jogador a balançar três vezes as redes em um duelo contra o maior rival brasileiro desde Pelé.
Aos 38, a lógica do terceiro gol foi invertida. Rivaldo interceptou passe no campo de defesa, puxou contra-ataque, superou a linha divisória do gramado, e viu Ronaldo livre, nas costas da zaga, pela direita. O camisa 10 lançou Nazário, que dominou colocando na frente e, logo em seguida, emendou foguete com a perna esquerda. O arremate, potente, deixou o arqueiro hermano incrédulo, consagrando uma tarde inesquecível para o futebol brasileiro. Sublime, o cenário não parecia sequer reservar espaço para mais um tento de honra argentino, mas Ortega soube suplantar o destino e outros três zagueiros para descontar, em uma verdadeira pintura.
O 4 a 2 em cima da temida seleção de Bielsa correspondeu a uma das maiores partidas do Brasil sob o comando de Vanderlei Luxemburgo. O confronto ainda foi uma das primeiras aparições, em solo brazuca, do trio Ronaldinho, Ronaldo e Rivaldo em campo, servindo como prévia da equipe que seria penta em 2002. Certamente, nenhuma das quase 70 mil pessoas que lotaram o Gigante conseguem esquecer daquela iluminada tarde de setembro, quando a amarelinha legou ao seu torcedor uma atuação completa, perfeita e irretocável. Em outras palavras, uma aparição legitimamente brasileira.
Ficha técnica da partida:
Brasil 4x2 Argentina
Data: 7 de setembro de 1999
Amistoso
Público: 69.345 pagantes
Árbitro: Oscar Ruiz (Colômbia)
Gols: Rivaldo, aos 40min, aos 42min do 1°T e aos 25min do 2°T, Ayala, aos 45min do 1°T, Ronaldinho, aos 37min do 2°T, e Ortega, aos 43min do 2°T.
Brasil: Dida; Cafu, Antônio Carlos, Scheidt e Roberto Carlos; Emerson, Vampeta (Marcos Assunção), Rivaldo e Zé Roberto (Juninho); Ronaldinho Gaúcho (Élber) e Ronaldo. Técnico: Vanderlei Luxemburgo.
Argentina: Bonano, Vivas (Husain), Ayala e Samuel; Sorín, Redondo (Simeone), Verón (Schelotto), Zanetti e Ortega; Gonzalez (Gallardo) e Crespo (Lopez). Técnico: Marcelo Bielsa.
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