Pavor de cirurgia, mãos dadas com o irmão, briga com torcida... O Guerrero que poucos conhecem
- entrelinhascolorad
- Jul 6, 2019
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Guerrero volta a jogar contra a seleção brasileira neste domingo, pela final da Copa América, com a missão de encerrar um jejum de 44 anos sem títulos da seleção peruana – quando conquistou a Copa América, sem sede fixa. O atacante, maior artilheiro da história de sua seleção com 38 gols, atua no futebol brasileiro desde 2012. De lá para jogou por Corinthians e Flamengo, antes de se transferir para o Internacional.
Nesses sete anos, Guerrero já chorou com medo de uma cirurgia no pé esquerdo – teve uma fratura semelhante à de Neymar; pediu conselhos quando foi flagrado no exame antidoping com traços de uma substância proibida na urina; pegou dengue e cumpriu todas as recomendações médicas sem reclamar até receber alta; encarou torcedores raivosos que invadiram o CT para agredir os jogadores; e deixou um cachorro de 84 quilos, o Baltazar, para um amigo cuidar porque se mudou para o Rio de Janeiro.
Algumas das histórias curiosas do maior ídolo peruano são contadas pelo consultor médico do Corinthians, Joaquim Grava, com quem ele conviveu durante três anos.

Eu digo que o Guerrero parece com o Baltazar porque é um cachorro extremamente educado, extremamente dócil e extremamente obediente. Então, essa figura do Guerrero, que eu conheci bem porque convivi com ele por muito tempo, inclusive em casa a gente tinha contato, se assemelha muito à personalidade do Baltazar – diz Grava.
Medo de cirurgia e ajuda do irmão
Em outubro de 2013, Guerrero sofreu uma fratura no quinto metatarso do pé esquerdo, durante um jogo da seleção peruana. De volta ao Corinthians, foi constatada a necessidade de uma cirurgia. O atacante ficou apavorado. Na época, o clube divulgou apenas que a cirurgia tinha sido adiada por questões emocionais.
Nós marcamos a cirurgia para uma quarta-feira, mas na hora em que estava indo para o centro cirúrgico, ele disse que não ia operar mais porque estava com medo. E começou a chorar... E aí nós resolvemos não operá-lo naquele estado emocional em que ele estava. Ele retornou para o quarto, permaneceu internado até o dia seguinte, a quinta-feira, e nesse intervalo eu combinei que ele ia ficar acordado durante a cirurgia e ia ver eu operar. E o irmão dele (Julio Rivera) ia ficar no quarto segurando a mão dele o tempo inteiro – explicou Grava.
Na quinta-feira, então, nós fomos para o centro cirúrgico, eu coloquei a mesa cirúrgica elevada pra ele ficar vendo eu operar, foi feita uma anestesia só bloqueio do joelho pra baixo, o irmão dele segurando na mão dele e eu operando... Guerrero é extremamente dócil para essas coisas – completou.
A cirurgia foi um sucesso, e Guerrero voltou a treinar no Corinthians em meados de novembro.
Reação à invasão ao CT
Em fevereiro de 2014, mais de cem torcedores do Corinthians invadiram o CT para cobrar e agredir os jogadores, após uma goleada sofrida por 5 a 1 para o Santos, na Vila Belmiro. Para proteger os atletas, os seguranças correram para escondê-los em alguns alojamentos. Os demais funcionários do clube também sumiram para não apanhar. Mas Guerrero se revoltou com a ameaça dos integrantes de torcidas organizadas.
Na verdade, todos nós nos escondemos, inclusive eu, claro. Porque a agressividade com que os torcedores vieram era muito grande. Mas o Guerrero não quis. Que eu lembro, que eu vi, ele foi o único que foi lá encarar os caras, não se escondeu, muito pelo contrário. Aí os seguranças foram lá tirar ele, né? Porque do jeito que os torcedores invadiram, não tinha conversa. Estavam todos praticamente drogados, embriagados, com uma agressividade além do normal, então não tinha como dialogar ali. Por isso, os seguranças pegaram todos os jogadores e esconderam no vestiário, fecharam o vestiário até que a polícia chegasse e parasse com aquela invasão.

No dia seguinte, o então presidente do clube, Mário Gobbi Filho, afirmou que Guerrero foi esganado por um dos torcedores, antes da intervenção da equipe de seguranças.
Dengue e carinho do irmão
No início de 2015, uma epidemia de dengue deixou o Brasil em alerta. Mais de 258 mil casos de dengue foram registrados no estado de São Paulo só nos três primeiros meses do ano. No Brasil, haviam sido registradas 132 mortes, sendo 99 em São Paulo. Guerrero também foi uma das vítimas da dengue. Joaquim Grava lembra que, apesar do risco, Guerrero permaneceu tranquilo e acelerou a recuperação.
Ele é muito tímido, né? É introvertido, um cara quietão, um cara que trabalha sem estardalhaço, que está sempre cumprindo seus horários, uma pessoa extremamente responsável. Tanto que, quando ele teve uma dengue aqui, permaneceu internado entre sete e dez dias e cumpriu tudo que havia sido determinado, na dele, recebendo só as visitas do irmão e da namorada. Por isso que eu falo que ele é extremamente diferenciado de personalidade de jogador de futebol. Porque, geralmente, quando você interna um jogador, ele fica agitado, quer ir embora, ficar na casa da família.
Guerrero se recuperou e voltou a treinar dez dias depois de o diagnóstico ser feito.
Drama do doping por cocaína
Um dos maiores dramas da carreira de Guerrero aconteceu em novembro 2017, meses antes de ele ser decisivo na classificação do Peru para a Copa do Mundo, depois de 36 anos. Um exame antidoping na urina do atacante flagrou a substância benzoilecgonina, principal metabólico da cocaína, após um jogo da seleção peruana contra a Argentina, em Buenos Aires. O médico Joaquim Grava foi uma das pessoas para quem Guerrero ligou, desesperado para provar sua inocência e não ser suspenso.
Nós conversamos bastante, umas duas vezes, e ele queria usar minha experiência nesses casos (de atletas pegos em exame antidoping). Ele não tinha necessidade de mentir pra mim, né? Pelo que sei, Guerrero nunca foi usuário de droga, muito pelo contrário. Se ele fosse usuário de droga, teria caído em outros exames. E a evidência é importante: ele não é usuário de droga, ele foi pra um hotel que tinha chá de coca, então provavelmente teria sido o chá de coca. É que a rigidez da Wada (Agência Mundial Antidoping) muitas vezes é irracional. Porque nós tivemos um caso semelhante ao do Guerrero, que foi com nosso goleiro Zetti, numa Eliminatória (da Copa do Mundo de 1994) inclusive, e fazendo uma coisa racional, entenderam que foi o chá de coca. Cientificamente o chá de coca pode dar na urina, podendo dar o jogador como dopado, mas muitas vezes não é não. E eu acredito muito nessa versão dele – conta Grava, que sentiu Guerrero em estado depressivo.
Ele estava muito triste, dizia que não estava sendo compreendido, e eu sabia que ele falava a verdade.

Guerrero foi suspenso por um ano, teve a pena reduzida, conseguiu disputar a Copa do Mundo da Rússia, e pagou o restante da punição depois do Mundial.
O cachorro de 84 quilos
Essa história foi publicada aqui mesmo no GloboEsporte.com antes do jogo Brasil 5x0 Peru, pela primeira fase da Copa América. Em 2015, quando estava se transferindo para o Flamengo, Guerrero pediu ajuda de Grava para cuidar do seu cachorro até que encontrasse um lugar fixo para morar no Rio.
Detalhe: o cachorro, da raça terra nova, pesa hoje 84 quilos. Há um mês, foi descer do sofá da casa de Grava e, pesado, rompeu um dos ligamentos da perna direita.
Eu sempre tive vários cachorros e o Guerrero já sabia desse meu hobby, sempre gostei, desde criança. E quando ele foi para o Rio de Janeiro, falou: "Olha, eu estou com um cachorro terra nova, ele é grande, e como eu ficar lá no Rio de Janeiro num flat por enquanto, não vai dar pra eu levar o cachorro. Você fica com o cachorro pra mim, depois a gente resolve o que fazer com o cachorro". Aí nós fomos buscar o cachorro, ele morava em Alphaville numa casa grande onde o Baltazar tinha toda liberdade... O cachorro veio pra cá, mas depois não devolvi mais, né? Depois de tanto tempo, ficou quase quatro meses aqui, ele se enturmou bem com os outros (quatro cachorros que Grava tem), então ficou por aqui mesmo e eu não devolvi não – diz, rindo, o médico.
Só não sei a origem do nome Baltazar. No início, nós chamávamos de Guerrero. Depois, começamos a chamar ele pelo nome verdadeiro, Baltazar.
Fonte Globoesporte.com
Foto: EFE
Foto: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians
Foto Getty Images
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