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A virada que passou pela arquibancada

  • Writer: entrelinhascolorad
    entrelinhascolorad
  • Aug 28, 2019
  • 4 min read

Não é fácil resumir a história do Inter na Libertadores da América. Primeira equipe da região sul do país a disputar uma final, terminando a edição de 1980 como vice-campeão, o Clube do Povo escreve história no torneio continental, literalmente, desde sua estreia no certame, ocorrida em 1976. Na ocasião, apesar do resultado negativo, a partida perdida por 5 a 4 para Cruzeiro, no Mineirão, entrou para a história como um dos melhores jogos de futebol disputados no século XX.

Com a chegada do século XXI, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande ansiava por adicionar um novo capítulo à rica, mas dramática história colorada no mais prestigiado torneio de clubes da América do Sul. Dessa vez, esperava-se por um final feliz. E foi em 2006 que ele chegou, depois de meses de muito empenho e, principalmente, angústia.

Após terminar a fase de grupos invicto e com a segunda melhor campanha, o Inter exorcizou seu primeiro fantasma na fase de oitavas de final, eliminando o Nacional do Uruguai e avançando às quartas, que seriam disputadas contra a LDU. Jogada na altitude de quase 3000 metros de Quito, a partida de ida foi encerrada com triunfo equatoriano de virada, pelo placar de 2 a 1.

O revés marcou o fim de uma invencibilidade de 27 jogos. Agravando ainda mais o cenário, o confronto de volta, tradicionalmente disputado sete dias após o primeiro duelo, levaria meses para ser realizado. Paralisada por conta da disputa da Copa do Mundo da Alemanha, a Libertadores seria retomada apenas em julho. Dessa forma, ao longo de mais de sessenta dias a torcida precisaria conter a ansiedade, ao mesmo tempo em que deveria continuar esperançosa. Missão difícil? Não para o povo colorado.

O povo colorado não somente continuou fiel, como criou uma corrente de energias positivas poucas vezes vista. Foram semanas marcadas por recordes de associações, liquidação de cadeiras disponíveis nos setores locados e peregrinação ao Beira-Rio para comprar camisas, acompanhar treinos ou simplesmente fazer alguma reza, depositando sua fé no número 891 da Avenida Padre Cacique. Enquanto o restante do país estava imbuído de forte espírito nacionalista, os alvirrubros deixavam os jogos da seleção brasileira em segundo plano, permanecendo ansiosos não para as esperadas exibições de Dida, Ronaldinho, Kaká, Robinho, Ronaldo e Adriano, mas sim para ver em campo Clemer, Tinga, Alex, Rafael Sobis, Fernandão e companhia.

Duas semanas depois da partida do Equador, o Inter já anunciava que 400 novas cadeiras locadas seriam colocadas à disposição, visando a suprir a demanda crescente dos associados e torcedores do clube. O bom momento vermelho, que vinha de campanha histórica no Campeonato Brasileiro do ano anterior, e que conseguia conciliar as diferentes disputas de 2006, seguindo vivo na Libertadores e ocupando as primeiras posições do torneio nacional, orgulhava a torcida. Faltava, porém, conquistar um título que estivesse à altura da grande fase.

Todos no Beira-Rio tratavam o confronto que se avizinhava como o jogo do ano. O Inter, por exemplo, tratou de aprimorar a estrutura do estádio, realizando reformas nas cadeiras locadas, deixando-as preparadas para a noite do dia dezenove de julho, quando centenas de novos frequentadores eram esperados no setor. A Central de Atendimento ao Sócio (CAS) também se adaptava, fazendo plantões em série, muitas vezes trabalhando noite adentro. Nem mesmo a derrota para o Juventude na última partida do campeonato brasileiro antes da decisão pela Libertadores arrefeceu o ânimo do torcedor.

Depois de mais de dois meses e uma Copa do Mundo de espera, finalmente o apito inicial estava próximo. Marcada para às 19h15, a partida levou cerca de 40 mil colorados e coloradas ao Beira-Rio, apesar do horário complicado para quem trabalhava naquela quarta-feira. No momento da entrada das equipes em campo, a torcida vermelha fez uma festa digna do tamanho do jogo que estava por começar. Bandeirões, faixas, cantoria e instrumentos faziam do Gigante um verdadeiro caldeirão. Nada mais parecia importar para a multidão ensandecida, somente o estádio existia.

O primeiro tempo foi de poucas chances, marcado por uma LDU fechada que tentava fazer o nervosismo contagiar as arquibancadas, virando o Beira-Rio contra o Inter. Mas se quarenta e cinco minutos são muito pouco comparados às semanas de espera entre uma partida e outra, imagine então em relação a 97 anos de história. A torcida sabia que aquele era o dia, e seguiu ao lado dos seus jogadores na segunda etapa, sendo brindada com uma atuação de luxo.

A sinergia entre time e estádio resultou em uma pressão arrasadora dos comandados de Abel Braga na volta do intervalo. Como um rolo compressor, o time encurralou os visitantes, e logo aos seis minutos do segundo tempo Rafael Sobis abriu o placar, em golaço iniciado com Fernandão vencendo disputada pelo alto. Nos minutos que se seguiram, o Inter acumulou chances desperdiçadas. Os milhares presentes no estádio, que tanto esperaram pelo jogo, agora torciam para que ele chegasse ao fim o quanto antes. Depois de dezessete anos, o Colorado gaúcho poderia voltar a uma semifinal de Libertadores, a quarta de sua história.

Desesperada, a LDU se mandou ao ataque nos minutos finais, tentando encontrar o gol da sua classificação. Bem postado, no entanto, o Colorado não somente impediu os equatorianos de criarem grandes chances, como, dos pés do Saci Renteria, balançou as redes uma vez mais.

Se antes os visitantes buscavam um gol para se classificar, agora precisavam balançar a rede de Clemer para, pelo menos, não permitir que a vaga fosse decidida nos noventa minutos. E os visitantes tiveram sua melhor chance quando, nos acréscimos, Candelário cobrou falta a centímetros da grande área. Com quase todos os jogadores das duas equipes a sua frente, Clemer cresceu e fez a defesa, garantindo a vitória e a classificação para a próxima fase.

Assim o Inter seguiu escrevendo o belíssimo e vitorioso capítulo de 2006 na sua história na Libertadores, graças aos pés de Sobis e Rentería e as mãos de Clemer. Mas, ainda mais importante foram as quarenta mil gargantas, que, durante 90 minutos, representaram a mobilização feita por milhões ao longo daqueles mais de dois meses, apoiando e acreditando até o final.

Foto: Jefferson Bernardes/@agenciapreview


 
 
 

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